O Rap me formou cineasta
Por Daniel Neves, diretor do documentário "O Rap da Vila Rio"
Quando a
gente começa a fazer cinema de quebrada, uma das nossas principais referências
é o RAP. Na nossa geração dos anos 90, o RAP surgiu como uma música peculiar,
falava gíria (gíria não, dialeto), usava uma linguagem que era próxima de nóis
e conseguia se comunicar com o gueto.
O RAP sempre
foi mais que uma música, é uma cultura, uma atitude, uma forma de pensar, um
grito contra o sistema. Era impressionante que ele furava a bolha da grande
mídia. Eu cresci ouvindo RAP nos rádios da quebrada, mas, principalmente,
cresci ouvindo nas ruas, praças, vielas e esquinas do meu bairro. Eu observava
MCs fazendo freestyle, compondo sons em cadernos velhos, elaborando beats no
violão, na percussão e na boca. Aquilo ali sempre foi um aprendizado.
Enquanto
cineasta, escritor, professor de filosofia, foi o RAP um dos principais
responsáveis pelo caminho que trilhei. Devo muito aos manos e minas do meu
bairro, Vila Rio, cidade de Guarulhos, SP. Quando a gente pega a câmera na mão
e olha pra quebrada, é tipo um MC fazendo freestyle, improvisando, criando na
hora, percebendo o momento e ao redor. Quando a gente junta as imagens do
bairro na edição, é tipo o DJ construindo os beats e ritmos. Quando a gente
escreve o roteiro e pensa nas cenas, é tipo um rapper criando sua letra e
estória. Quando a gente se reúne e troca uma ideia sobre um filme, é tipo os
manos e minas do Rap reunidos, debatendo as ideias de arte e vida, de amizade e
coletividade. E também quando a gente tem conflitos, quando a gente discute,
quando a gente tem dúvidas sobre o futuro. Fizemos clipes com os parceiros do
Rap, com eles participando do processo de produção, propondo ideias e planos. Outras
vezes as músicas de Rap viraram trilhas sonoras dos nossos filmes.
Nessa
caminhada de fazer filmes nos bairros, sempre pensei, tenho que fazer um filme
sobre o RAP. Preparei o roteiro, conversei com uns manos, estava pensando em
mais uma vez fazer um filme de forma independente, sem grana, só a ideia na
cabeça e a vontade nas mãos, contando com a ajuda do Coletivo Companhia Bueiro
Aberto, que faço parte há 10 anos. Felizmente, surgiu a Lei Paulo Gustavo, uma
iniciativa de fomento ao audiovisual promovida pelo Governo Federal e
gerenciada por estados e municípios, ganhamos o edital, nosso primeiro filme
oficialmente financiado, surge "O RAP da Vila Rio", documentário
sobre nossa memória, nosso passado, mas também sobre nosso presente e futuro
porque a cultura de quebrada resiste, é a cultura popular.
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